Após a vitória nas eleições, a equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), começa a se debruçar sobre os desafios do próximo mandato e terá de lidar com os ajustes necessários no Orçamento do ano que vem.
Prioridade da nova gestão, a manutenção do auxílio para a população carente em R$ 600 em 2023 é um dos temas a serem debatidos. Até o momento, esse valor não está assegurado.
A proposta de orçamento para 2023, encaminhada em agosto ao Congresso Nacional pela área econômica do presidente Jair Bolsonaro, prevê um benefício médio de R$ 405.
Durante sua campanha, Lula prometeu, ainda, um valor adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. A ideia é retomar o antigo Bolsa Família, revogado por Bolsonaro.
Em seu primeiro discurso como presidente eleito, Lula afirmou que o combate à fome e à miséria é o "compromisso número 1" do governo.
"Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer, ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário", afirmou Lula, na ocasião.
Está prevista uma reunião nesta quinta-feira entre Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito e coordenador da equipe de transição, e o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), coordenador de Orçamento da campanha, com o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (PMDB-PI).
Além do auxílio para a população carente, outros temas também serão discutidos.
"Nós esperamos receber uma proposta, ou analisar, todo o quadro orçamentário, para ver que proposta o novo governo tem para atender as demandas que foram criadas. Como, por exemplo, o compromisso do presidente eleito de manter o Auxílio Brasil, o Bolsa Família, no valor de R$ 600", afirmou Marcelo Castro.
De acordo com especialistas ouvidos pelo g1 e pela TV Globo, ao menos R$ 175,2 bilhões serão alvo de negociação e barganha no orçamento. Esse valor engloba pontos ainda incertos no texto e propostas defendidas por Lula. (veja alguns itens abaixo).
Espaço limitado
A manutenção do auxílio para a população carente em R$ 600 no próximo ano, assim como o reajuste real do salário mínimo (acima da inflação) e o aumento do salário de servidores, entre outros, enfrentam dificuldades maiores pois representam novas despesas. Por isso, exigirão ajuste nas regras fiscais.
Os cálculos do Tesouro Nacional preveem que será preciso aumentar os gastos públicos em R$ 52 bilhões somente para manter o benefício para população carente em R$ 600 — valor ainda não contabilizado na proposta de orçamento de 2023.
E, para conceder um benefício adicional de R$ 150 por criança de até seis anos, novas despesas terão de ser incluídas também na previsão orçamentária. Cálculos de analistas apontam que serão necessários outros R$ 18 bilhões para esse objetivo.
Além disso, o reajuste real do salário mínimo também pode exigir mais recursos. A previsão atual, que consta na peça orçamentária, é de um valor de R$ 1.302 para 2023, com reajuste somente pela estimativa inflação deste ano (cálculo feito em agosto).
Além da inflação, a proposta de Lula contempla um aumento pela variação do PIB. O novo formato de correção, porém, ainda não foi detalhado. Por isso, não se sabe o valor exato que será proposto. Cálculos do Tesouro indicam que cada R$ 1 acima de R$ 1.302 implica em gastos adicionais de R$ 370 milhões.
Já no caso do reajuste de servidores, a proposta de orçamento contempla R$ 11,6 bilhões para o Executivo, o que seria suficiente para um aumento linear de 4,85% a todos funcionários públicos do governo federal. Caso deseje conceder um aumento acima disso, também será preciso ajustar o orçamento e prever novas despesas.
O orçamento de 2023 traz, ainda, cortes drásticos em áreas estratégicas, como saúde e educação, não contemplando a maior parte das promessas de campanha do petista. Fiscalização do meio ambiente e recursos para bolsas de estudo também perderam recursos nos últimos anos. Esses valores deverão ser ajustados.
Falta de espaço
O problema, entretanto, é a falta de espaço no orçamento. Diante da regra do teto de gastos (mecanismo que limita a maior parte das despesas à inflação do ano anterior), a estimativa para os chamados "gastos livres" do governo já está baixa em 2023.
Sem mudanças de regras, é justamente ali que poderiam ser alocados esses gastos adicionais para o salário mínimo, auxílio aos mais pobres e reajustes aos servidores (depois de 2023, essas despesas se tornariam permanentes).
A previsão do Ministério da Economia é de que essas os gastos livres representam, até o momento, apenas 6,3% do orçamento total, o equivalente a R$ 98,9 bilhões em 2023.
Além de o valor ser pequeno para despesas livres, boa parte dele é "abocanhado" pelas emendas de relator. Para o próximo ano, foram reservados R$ 19,4 bilhões para essas emendas, com aumento de 17,5% na comparação com este ano (R$ 16,5 bilhões).
O restante do orçamento (93,7%) é composto por gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários de servidores e seguro-desemprego, por exemplo).
Por conta da falta de espaço orçamentário, relatório divulgado em setembro pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, já apontava a necessidade de ajuste nas regras fiscais do país para manter o benefício em R$ 600 em 2023.
Segundo avaliação das consultorias de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado, se nada for feito, o progressivo aumento das despesas obrigatórias, associado às restrições impostas pela regra do teto de gastos, tendem a levar a uma "inviabilidade administrativa e política" nos próximos anos, afetando o mandato do presidente eleito.
Com as regras atuais, segundo o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Ricardo Volpe, seria necessário reduzir permanentemente uma despesa para acomodar a manutenção do auxílio de R$ 600 para a população de baixa renda no orçamento, além de novos gastos. Ele avaliou, porém, que é pouco provável que isso vá ocorrer.
Uma das propostas para conseguir mais folga orçamentária é acabar com o teto de gastos - uma das promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Para fazer isso, entretanto, é necessário mudar a Constituição — por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
E, para entrar em vigor, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos, tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados, e ter três quintos dos votos dos parlamentares nas duas casas.
Com as dificuldades de mudar a Constituição em apenas dois meses, economistas já falaram abertamente na possibilidade de um "waiver" em 2023, ou seja, uma licença para o governo gastar por fora do teto, enquanto negocia com o Congresso as novas regras fiscais.
Em entrevista ao g1 e TV Globo, Marcos Mendes, pesquisador do Insper e um dos idealizadores do teto, fez alertas em relação a essa possibilidade. "Você não pode simplesmente dar um 'waiver' e aumentar (os gastos) o quanto quiser. Será necessário negociar essa licença em troca de reformas que controlem a despesa", disse o economista.
Fonte: g1
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