Fotos: Antônio Rodrigues |
O Ceará já foi o segundo maior produtor de algodão do Brasil, com 1,3 milhão de hectares plantados, em 1976. O declínio começou na década de 1980, com a praga do e as mudanças nos modelos de financiamento da lavoura, que praticamente extinguiu a cotonicultura por aqui. No entanto, há sete anos, seu cultivo vem sendo retomado de forma mais intensa, principalmente nas regiões Centro-Sul e Cariri, mas também se expandindo para outras partes do estado.
Num intervalo de apenas seis anos, houve um salto visível na produção no território cearense. Em 2015, por exemplo, foram 390 hectares de área plantada com colheita de 107 toneladas de algodão. Já em 2021, saltou para mais de 3 mil hectares de área cultivada e quase 6 mil toneladas de algodão colhidos. Os dados são da pesquisa da Produção Agrícola Municipal (PAM), desenvolvida pelo IBGE. Os números do ano passado ainda não foram divulgados.
O sucesso neste resgate parte de duas iniciativas distintas. A primeira, a partir da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Algodão, de Campina Grande (PB), em parceria com a secretarias municipais de Agricultura, que implantaram em 2016 o projeto Modernização do cultivo do algodão no Estado do Ceará, voltado para a produção de algodão de sequeiro. Como experiência, cultivaram 30 hectares no Cariri, em 2018. No ano seguinte, a área expandiu para 700 hectares e mais do que dobrou, em 2021, chegando a 1.500.
A experiência teve sucesso em cidades como Brejo Santo, Milagres, Mauriti, Porteiras, Penaforte, Missão Velha, Crato, Potengi, Altaneira e Barbalha; e em Várzea Alegre, Iguatu e Acopiara, no Centro-Sul. Todos estes municípios estão produzindo a partir de semente transgênica de alta qualidade. Para alcançar bons resultados, os produtores tiveram orientação técnica específica. “A Embrapa deu orientações sobre o plantio, manejo de pragas e desenvolvimento de tecnologias”, explica o engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Algodão, Fábio Aquino.
UNIVERSIDADE PARTICIPATIVA
Outro trabalho que tem tido sucesso em resgatar a cotonicultura no Ceará vem sendo implementado, desde 2017, pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). Tudo começou com um projeto de extensão do curso de agronomia chamado “Ouro Branco: a revitalização do algodão no semiárido nordestino”. A princípio, a ideia era multiplicar sementes, em Várzea Alegre. De um hectare, no primeiro ano, saltou para 17, em 2019. Em 2020, já chegava a área de quase 80 hectares plantados.
O projeto só funciona, como explica o professor Sebastião Cavalcante, com a parceria com as prefeituras. Caso aceitem, a universidade dá o treinamento à equipe técnica do Município, enquanto o poder público licita a aquisição de sementes e os produtos biológicos para o controle do bicudo. “O produto que usamos é diferencial porque não mata abelhas e nem intoxica o agricultor”, reforça.
As parcerias têm funcionado. Ano passado, eram oito municípios parceiros. Em 2023, este número saltou para 21, nas regiões Norte, Cariri, Centro-Sul, Sertão Central e Inhamuns. O desenvolvimento do projeto acontece com pequenos produtores, em área trabalhada menor que três hectares. Com eles, foi fundada a Associação dos Produtores de Algodão do Estado do Ceará (Apaece), há três anos. “De 2018 para cá, já temos 85 técnicos formados e capacitados na revitalização do algodão. A gente trabalha o manejo de solos, da cultura, de pragas e doenças, a colheita, a pós-colheita e comercialização”, detalha o professor.
Além de todo este trabalho, a UFCA firmou parcerias para ampliar as capacitações e o escoamento do algodão com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), a Agência de Defesa Agropecuária do Ceará (Adagri), a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A partir da associação, a logística de venda foi garantida com duas usinas, uma em Acopiara e outra em Quixeramobim, que compram a arroba de algodão pelo preço mínimo de R$50.
Um dos beneficiados é o produtor Jerfesson Araújo, 35, do Riacho da Areia Alencar, no município de Iguatu, que deu início ao plantio no ano passado e ainda conseguiu retirar 104 arrobas de algodão, numa área menor que um hectare. A colheita só não foi melhor por causa das chuvas intensas. “Foi um ano atípico como nosso solo é argiloso, sofre bastante, encharcou. Mas esse ano a expectativa é melhor”, projeta.
Com perspectiva positiva, Jerfesson migrou do arroz para o algodão e ainda conta com o apoio do Município, que entra com a preparação de terra e o vazio sanitário, diminuindo os custos da produção. “Só o preparo da terra, uma hora, custa R$220 a R$230 e já temos o preparo gratuito”, comemora. Outra vantagem é a garantia de escoamento. Hoje, está tabelado em R$55 a arroba o preço mínimo. “A gente já entra sabendo que vai vender. É uma nova fonte de renda”, acrescenta.
O plantio, geralmente, acontece no fim de janeiro e início de fevereiro, com expectativa de colheita entre julho e agosto. Mas, além disso, a cotonicultura apresenta a vantagem de tolerar as incertezas climáticas do território cearense. “Tem ano mais seco, mais chuvoso e é uma das poucas plantas que conseguem resistir e é economicamente viável. Além disso, ocupa a mão de obra em período que não tem muito serviço no campo”, detalha Fábio Aquino.
EXPANSÃO
No início deste mês, a Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado (SDA) recebeu representantes da Apaece, Ematerce e UFCA para discutir a ampliação do trabalho do projeto Ouro Branco. A proposta é que a capacitação e a distribuição de sementes cheguem aos 184 municípios do Ceará, através da sua inclusão no já consolidado programa Hora de Plantar. “Queremos que toda a equipe técnica do governo passe por essa formação, porque foi uma cultura abandonada, mas é bem valorizada e resistente à seca”, defende o professor Sebastião.
O secretário executivo da SDA, Marcos Jacinto, detalha que a partir do encontro foi formado um grupo de trabalho para pensar como o governo estadual pode contribuir para o fortalecimento e ampliação desta iniciativa. “Vamos ter um maior aprofundamento do programa para elaborar uma proposta de intervenção ou suporte nesse trabalho que já desenvolvem. Podemos dar um suporte na assistência técnica ou nos insumos necessários. São caminhos. Sabemos não só do valor histórico, mas do potencial econômico do algodão para o Ceará”.
Fonte: Jornal Opinião CE
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