O amor de Fernanda Jacauna, de 46 anos, pelo Hospital Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (Hospital de Messejana), em Fortaleza, começou quando ela ainda nem compreendia os significados das palavras ligadas ao coração. De paciente até se tornar enfermeira da Unidade de Terapia Intensiva do Pós-Operatório Infantil do HM, a vida de Fernanda faz parte da história da unidade de saúde que completa 90 anos de funcionamento nesta segunda-feira (1º).
“Eu vivo o SUS [Sistema Único de Saúde]. Como eu fui bem cuidada, tratada e curada, hoje posso prestar atendimento dentro de um ambiente onde me sinto em casa. O Hospital de Messejana faz parte de mim. Tenho duas vertentes enormes de amor aqui, minha saúde e meu crescimento profissional”, afirma a enfermeira.
Aos oito anos de idade, Fernanda, que morava com a família em Pacoti, cidade serrana a 102 quilômetros da Capital, recebeu o diagnóstico para estenose mitral, uma cardiopatia progressiva que pode causar hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca. As memórias de infância da enfermeira revelam que as brincadeiras no bosque do Hospital de Messejana se misturavam a descobertas de termos científicos.
“Eu sentia desconforto respiratório e tinha abdômen distendido. Eu era uma criança diferente dos meus irmãos, considerada a preguiçosa da família e com bucho quebrado de verme. Mas era falta de ar. Um dia, meu tio, que é médico, nos fez uma visita e resolveu marcar uma avaliação. Eu fui para a consulta e, a partir de então, comecei a ser acompanhada no Hospital”, conta.
A criança curiosa, que buscava compreender os porquês dos exames e dos remédios, transformou-se em uma enfermeira especializada em Cardiologia reconhecida pela atenção dedicada à Pediatria do HM, setor criado em 1994. “As mães [dos pacientes] reconhecem a minha cicatriz. Eu sei como é a dor da retirada de um dreno e da cirurgia cardíaca. Eu consigo dizer a eles [pacientes] como são as dores, para que eles sintam mais segurança e calma. Até sobre o primeiro espirro após cirurgia, que eu aprendi a lidar com essa dor, tento ensinar a eles”, observa Fernanda.
Cuidando das pessoas
O Hospital de Messejana, da Rede de Hospitais da Secretaria da Saúde do Ceará, é voltado para assistência de alta complexidade, ensino, pesquisa e inovação, sendo especializado no diagnóstico e no tratamento de doenças cardíacas e pulmonares.
No local, são acolhidos pacientes dos 184 municípios cearenses e de outras regiões do Brasil. O HM tem capacidade operacional de 463 leitos de internação, sendo 70 deles de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O Hospital tem atendimento 24 horas em urgência e emergência em Cardiologia e Pneumologia e 25 ambulatórios do Serviço de Pacientes Externos. Mensalmente são realizados mais de dez mil atendimentos de urgência e emergência, mais de seis mil consultas ambulatoriais e quase 300 cirurgias.
Para o médico cardiologista e diretor do Hospital, Carlos Augusto Lima Gomes, a multidisciplinaridade e a dedicação dos profissionais é o que torna a unidade um lugar especial. “Uma estrutura integrada que tem a alegria das pessoas compromissadas com o bem-estar do paciente. Todos os profissionais da saúde são estimulados em suas atividades. Essa integração é fundamental para, por exemplo, o paciente que vai passar por uma cirurgia cardíaca e precisa de um tratamento dentário. Forte também é a Fisioterapia, um verdadeiro celeiro, e o Serviço Social, que lida diariamente com diversas realidades”, cita.
Doutor Carlos Augusto, que foi interno e residente do Hospital, guarda muitas memórias, dentre elas, o início dos transplantes cardíacos na unidade em 1999. Hoje, o HM é referência no Brasil em transplantes cardíacos e pulmonares.
A unidade realizou, até março deste ano, 503 transplantes cardíacos, sendo 427 adultos e 78 pediátricos (2002 – 2023), ficando atrás apenas do Instituto do Coração (InCor), localizado em São Paulo, com mais de mil transplantes. Antes disso, em junho de 2011, o Hospital de Messejana foi a primeira unidade do Norte e Nordeste a realizar transplante pulmonar, contabilizando 51 procedimentos até março de 2023.
Da década de 1990 para cá, muitas experiências fizeram parte da carreira profissional de Carlos Augusto, mas a pandemia, enfatiza o médico, reafirmou a vocação de cuidar das pessoas. “Eu nunca fui tão útil como na pandemia, nunca as pessoas precisaram tanto de mim. Ou você é médico e entra na guerra, ou você foge e se afasta. Então, para mim, foi um motivo de alegria servir à humanidade, sendo amor e a mão de Deus. Eu nasci para isso, para ser médico e servir. Todos os esforços foram feitos para salvar vidas. Praticamente, quase todos os nossos leitos foram ocupados por pacientes covid”, reconhece.
Também são setores importantes a Unidade de Alta Complexidade em Oncologia; Reabilitação Cardíaca e Pulmonar; Programa de Controle do Tabagismo; Atendimento Domiciliar; Estomaterapia; Odontologia; Cuidados Paliativos; entre outros serviços. O HM possui ainda os Centros Cirúrgicos, Centro de Imagem e Laboratório de Análises Patológicas.
Sobre os atendimentos, o diretor aponta que está sendo registrado um aumento considerável após as ondas mais graves da pandemia da covid-19. “Messejana é um Hospital de portas abertas para o Ceará. Mas a pandemia deixou um rastro no aumento de internação. Antes, eram internadas cerca de 900 pessoas e, agora, internamos quase 1.300 por mês. Isso foi muito súbito. O coração está adoecendo mais as pessoas. E nossa estrutura para o cardiopata é muito diferenciada, que se difere dos outros hospitais”, pondera.
Para responder à nova demanda, a Sesa está renovando o parque de equipamentos de ecocardiograma do HM, o que deve torná-lo o mais moderno do País. Além disso, o serviço de Hemodinâmica também está sendo ampliado.
Legado em saúde pública
A humanização e o aperfeiçoamento contínuo estão na essência do Hospital de Messejana, que foi inaugurado em 1933 a partir do sonho de três médicos cearenses: João Otávio Lobo, Lineu de Queiroz Jucá e Pedro Augusto Sampaio, com apoio de Dona Libânia Holanda. Inicialmente, a unidade, projetada pelo arquiteto húngaro Emílio Hinko, era voltada para o tratamento da tuberculose no estado, como explica o médico e ex-diretor do HM, Frederico Augusto de Lima e Silva.
“Os bangalôs, de inspiração europeia, foram construídos separados e abertos para evitar o contágio da tuberculose, que era transmitida pela gotícula de saliva quando tossia e cuspia. Recentemente passamos pela pandemia da covid, eu fiquei aqui até a hora que me afastaram porque sou idoso, do grupo de risco. A história mostra que os cearenses têm que ter muito orgulho desse Hospital, que é diferente e tem uma alma cheia do amor dos profissionais que trabalham nele”, reforça.
Doutor Fred, que chegou ao Hospital em julho de 1975, já exerceu por diversas vezes o cargo de diretor da unidade, sendo agente e testemunha de transformações históricas, como a estadualização do equipamento.
“Terminei no Rio de Janeiro a Residência em Cardiologia, dois anos, e Hemodinâmica, um ano, e retornei para minha cidade de origem. Vim para o Messejana quando a Hemodinâmica estava começando e o cateterismo não tinha em todos os lugares do Brasil, mas Fortaleza já tinha, porque era uma visão do Dr. Carlos Alberto Studart. Em 1970, ele começou a transformar o Sanatório de Messejana em um hospital especializado no tratamento de doenças do tórax. Isso incluía a Cardiologia, que ele já sabia que teria um grande destaque mundial”, relembra o médico que, mesmo após a aposentadoria, continua a atuar na Hemodinâmica do HM.
O Messejana tem o significado de casa para muitos outros profissionais, incluindo a auxiliar de serviços diversos Antônia Felismina Azevedo. “Eu ando aqui até de olhos vendados. Conheço cada lugar desse Hospital. Já trabalhei em diversos setores. Vou me aposentar no ano que vem e ainda não sei como vou deixar a minha casa. Foi aqui que eu tive a minha formação, tudo”, diz Antônia.
Ao caminhar pelos corredores e recordar tantas histórias, a servidora se emociona ao contar que foi no Hospital onde conheceu o marido. “Ele, o Luiz, chegou ao Hospital como paciente, e, após dias acompanhando de tratamento, eu o pedi em casamento. O doutor Carlos Alberto dizia que não ia durar, mas nós estamos juntos até hoje, com três filhos e dois netos”, sorri.
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