O deputado estadual Renato Roseno (Psol) apresentou um projeto de lei (nº 718/2023) que institui o Dia da Beata Maria de Araújo e a Semana Maria de Araújo no Calendário Oficial do Estado do Ceará. A ação busca dar visibilidade à protagonista do chamado “Milagre da Hóstia” ou “Milagre de Joaseiro”, que originou as primeiras romarias com destino à Juazeiro do Norte. Fiel seguidora do Padre Cícero, Maria de Araújo foi perseguida após manifestar os fenômenos, viveu o resto da vida enclausurada e, após falecer, teve seu túmulo violado e seus restos mortais levados.
Caso o projeto seja aprovado na Assembleia Legislativa do Ceará, a data passa a ser celebrada, anualmente, em 24 de maio, dia do seu nascimento. “É importante dar visibilidade à sua história porque ela foi perseguida e sofreu violência em vida e após a morte, pois até hoje não sabemos o paradeiro dos seus restos mortais”, justifica o parlamentar, autor da proposta.
Já a Semana Maria de Araújo deve ser celebrada, a partir do projeto de lei, entre os dias 20 e 24 de maio. A proposta é preservar a memória sobre a Maria de Araújo, estimular reflexões sobre as violências em que sofreu e sua relação com o papel da mulher na historiografia oficial. “A ideia também é promover um resgate da memória e do legado de figuras históricas que foram injustamente perseguidas, seja pela Igreja ou pelo Estado”, explica Renato. Além disso, o parlamentar sugere debates sobre o racismo e a violência de gênero no Cariri.
A Semana Maria de Araújo, sendo aprovada, será realizada através da reunião dos esforços da Secretaria das Mulheres, Secretaria da Cultura, Secretaria dos Direitos Humanos, Secretaria da Igualdade Racial, Secretaria da Educação e Secretaria de Proteção Social, que devem realizar ao menos uma atividade na região do Cariri cearense. A iniciativa pode ocorrer em parceria com voluntários, escolas e universidades.
QUEM FOI?
Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, a beata Maria de Araújo, foi figura fundamental para a história e o crescimento urbano de Juazeiro do Norte, já que protagonizou o episódio que ficou conhecido como “Milagre do Joaseiro” ou “Milagre da Hóstia”. Nascida em 24 de maio de 1862 no povoado de Joaseiro, que até então fazia parte do Crato, ela foi uma menina pobre, negra, analfabeta, filha de negros e que foi acolhida ainda jovem pelo Padre Cícero. Na infância, já alegava manifestar estigmas, visões e profecias.
Sua vida mudou em 1889, quando teria transformado, pela primeira vez, a hóstia ou o “corpo de Cristo” em sangue, na antiga Capela de Nossa Senhora das Dores — atual Basílica de Nossa Senhora das Dores, em Juazeiro do Norte. O fenômeno se repetiria, ao menos, 120 vezes, segundo os historiadores. Isso foi responsável por surgir as primeiras romarias com destino ao vilarejo, que se tornaria a principal cidade da região do Cariri.
Após grande repercussão, a Igreja enviou, por dois momentos, padres até Juazeiro do Norte para analisar o caso. A primeira comissão concluiu que não havia explicação natural para os fatos ocorridos, enquanto o segundo inquérito os condenou e classificou como “embuste”. O Padre Cícero, que acreditava nos milagres e defendia Maria de Araújo, teve suas ordens suspensas.
A historiadora Edianne Nobre, que pesquisou sobre ela por cerca de 12 anos, lembra que a população do povoado de Juazeiro, padres e romeiros ficaram proibidos de fazerem qualquer referência aos acontecimentos de 1889. Maria de Araújo e outras beatas ficaram proibidas de serem visitadas.
A beata foi sentenciada à reclusão, em 1894, onde permaneceu até a sua morte, no dia 17 de janeiro de 1914. Seu corpo foi colocado na Capela do Socorro, mas o túmulo foi violado e destruído em 1930. Seus restos mortais foram roubados e, até hoje, ninguém sabe do seu paradeiro.
MOVIMENTO
Diante desse processo de esquecimento, há cinco anos, pesquisadores, artistas, professores, movimento de mulheres, movimento negro e entidades civis do Cariri lutam para que a fiel devota do “padrinho” tenha o devido reconhecimento do poder público e da Igreja Católica. A partir de 2018, surgiu o Movimento de Reabilitação da Memória da Beata Maria de Araújo, que atualmente é formado por cerca de 30 pessoas. Sua primeira ação foi, naquele ano, participar de uma caminhada na Romaria de Candeias e questionar: “onde estão os restos mortais de Maria de Araújo?”.
Desde então, a iniciativa foi crescendo e o grupo já realizou seminários, simpósios, momentos religiosos e o aniversário da beata. A articulação também já conseguiu aprovar duas leis municipais em Juazeiro do Norte. A primeira instituiu o dia 1º de março como o “Dia do Milagre” e a segunda obriga a colocação das imagens da beata nos espaços públicos que também recebem o Padre Cícero.
Na avaliação da professora Zuleide Queiroz, que compõe a Frente de Mulheres do Cariri, a luta pelo resgate da memória da beata Maria de Araújo se estende a outros movimentos sociais. “É uma reivindicação do movimento de negros e negras e de gênero. Essa iniciativa é muito importante e podemos fazer história com essa reparação”, acredita. Esse pensamento é compartilhado também pela professora Verônica Isidório. “Amplia a discussão, que não fica só na linha religiosa. Apresenta a superação do racismo e do sexismo”, completa.
Fonte: Opinião CE
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