Doutora Flaviana Lima classifica o fóssil da planta como uma imagem que retrata a região nordestina há 120 milhões de anos. Foto: Arquivo pessoal |
Um fóssil de cerca de 120 milhões de anos descoberto no Ceará traz informações importantes sobre a transição no domínio das plantas que dão flores e frutos (angiospermas), que hoje são maioria no planeta. A nova espécie fóssil pertence à família de plantas atualmente encontradas na China e foi identificada com materiais coletados na Bacia do Araripe, no interior do Ceará.
A hipótese dos pesquisadores é que as sementes da planta foram espalhadas por todo o globo pelo pterossauro, um réptil voador de grande porte.
A pesquisa teve como autora principal a bióloga cearense Alita Neves, em estudos para o mestrado em Diversidade Biológica e Recursos Naturais na Universidade Regional do Cariri (Urca). No dia 30 de junho, a descoberta foi publicada na revista científica internacional Plant Diversity.
O estudo foi conduzido também com representantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Nanjing Forestry University, da China.
Com o nome Arlenea delicata, a nova espécie descoberta é uma planta de pequeno porte e existia no Ceará durante o cretáceo inferior, período geológico em que os continentes começaram a se separar, desfazendo lentamente o grande bloco único de terra chamado Pangeia.
Na publicação internacional, ela foi descrita como uma planta que pode ter se desenvolvido em ambientes com poucas quantidades de água.
A espécie fóssil pertence à família das plantas efedroides, que tem espécies atuais representadas pelo gênero Ephedra. A publicação do estudo recente trouxe o novo gênero Arlenea para a família das efedroides.
Antes espalhadas por todo o globo, as plantas dessa mesma família hoje estão restritas a algumas regiões, como na China. Elas são utilizadas pelos chineses com fins medicinais, como a produção do estimulante conhecido como efedrina.
No Brasil, há outras espécies atuais das plantas da mesma família, como a Ephedra tweediana e a Ephedra chilensis, presentes em estados do Sudeste e do Sul.
Novas características descobertas
O fóssil identificado no Ceará mostra algumas diferenças em relação às plantas já conhecidas na mesma família. Uma delas é a presença de brácteas, estruturas que atuam como se fossem envelopes naturais para proteger as sementes.
Este aspecto é uma novidade para as plantas efedroides, pois elas são classificadas como parte das gminospermas, grupo de plantas que não possuem proteção para as sementes.
“O fato de ser uma espécie nova traz muitas características novas para colocar na árvore filogenética, na história das plantas. Então essa planta trouxe características que, até então, a gente não sabia. E elas serão incluídas em outros estudos para entender melhor como se deu a evolução das plantas”, explica Alita.
A bióloga cearense Alita Neves conduziu pesquisa de mestrado com fósseis coletados na Bacia do Araripe, no Ceará. Foto: Arquivo Pessoal
Conheça algumas características dos grupos de plantas:
As gminospermas têm sementes desprotegidas e expostas. O nome significa “sementes nuas”. Foi o primeiro grupo a dominar o planeta e tem como principais representantes as árvores de grande porte, como os pinheiros, as araucárias e os cedros.
As angiospermas são um grupo de plantas que apresentam flores e frutos, com sementes protegidas pelos frutos. Elas são representadas por uma grande diversidade de espécies que evoluíram para se adaptar a diversos tipos de ambientes.
Os fósseis identificados no Ceará têm semelhança com as espécies descritas na China. Os achados levantam o indício de uma conexão entre essas regiões em um passado distante.
De acordo com a bióloga, as duas regiões também apresentam fósseis dos mesmos grupos de pterossauros, répteis voadores que habitavam o planeta no período cretáceo.
Pela morfologia da nova planta encontrada, é possível supor que as sementes se fixavam no corpo dos pterossauros e de outras aves da época, que podem ter ajudado a dispersar as espécies das plantas por várias regiões.
As plantas do passado
O fóssil pesquisado foi encontrado na Formação Crato, unidade geológica da Bacia do Araripe e que fica situada nas proximidades dos municípios de Nova Olinda, Santana do Cariri e Crato.
A região chama atenção de pesquisadores de todo o mundo pela quantidade e qualidade dos fósseis encontrados.
Os materiais se destacam pela preservação de tecidos moles, penas fossilizadas e detalhes de estruturas das plantas, conforme contextualiza a paleontóloga cearense Flaviana Lima, que ensina no Núcleo de Biologia do Centro Acadêmico de Vitória, na UFPE, e orientou o estudo.
“É como se você tivesse um retrato do passado, de como era essa região há 120 milhões de anos. Por isso, ela ajuda a contar a história dos animais e das plantas no mundo todo. É como se fosse um fragmento bem importante da história do planeta aqui no Ceará”, comenta.
A descoberta da nova espécie traz mais elementos para entender o período em que florestas de grande porte começaram a perder o domínio para plantas menores que começavam a se diversificar.
“A Formação Crato é a peça chave para explicar essa história. E esse grupo de plantas que a gente descreve, o das Ephedraceae, tem importância maior ainda porque muitos cientistas acreditam que elas podem ser, de certa forma, uma conexão entre as gimnospermas e angiospermas”, explica Flaviana.
Fóssil vai continuar no Ceará
O material estudado pelo grupo pertence à coleção do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, na cidade de Santana do Cariri. E é lá onde ele vai continuar, como explica Alita Neves.
Em um contexto em que os fósseis do Cariri foram levados por museus e colecionadores estrangeiros ou até mesmo traficados ilegalmente, o grupo de pesquisadores celebra a preservação do patrimônio paleontológico em solo cearense.
“É um diferencial. Esse material vai continuar no seu lugar de origem e com acesso para a comunidade e para os cientistas também”, comemora a pesquisadora, que fez a graduação na universidade pública na região do Cariri.
Os fósseis foram inicialmente coletados pela equipe do Laboratório de Paleontologia da Urca, detalha Flaviana Lima.
“A gente tem todos esses aspectos de um trabalho que foi iniciado por uma estudante da região, estudando esses fósseis e publicando o trabalho numa revista internacional que tem um fator de impacto altíssimo. Ainda mais por trazer informações que são importantes para o mundo inteiro”, complementa a paleontóloga.
A participação da Nanjing Forestry University, da China, partiu do contato com o pesquisador Yong Yang, que já estudava fósseis semelhantes na Ásia e imaginava que os vestígios da família de plantas pudessem também ser encontrados em solo brasileiro.
O Ceará fica representado também no nome da nova espécie identificada: Arlenea delicata foi a identificação escolhida em homenagem à Maria Arlene Pessoa da Silva, botânica e professora da Urca. Ela é reconhecida pela dedicação à pesquisa e à proteção da flora existente na Chapada do Araripe.
Ainda de acordo com Flaviana Lima, mostrar estes resultados é uma forma de valorizar a produção científica local e o patrimônio paleontológico do Cariri, que guarda ainda muitas respostas sobre o passado a serem exploradas.
Fonte: g1 CE
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