Túmulo de Maria Caboré no Cemitério da Piedade, na cidade do Crato, Ceará. Foto: Filipe Guimarães |
Ela morreu em 1936, aos 60 e tantos anos. Assim mesmo, sem detalhes, foi escrita a certidão de óbito no livro do Cemitério da Piedade, no Crato, Ceará.
É o único documento oficial encontrado por Edivania Barros, historiadora que decidiu escrever sobre a vida de uma mulher dona de poucos registros, mas com muitos devotos.
“Desde 2014 comecei a visitar o túmulo e a conversar com os fiéis. Eles pedem intercessão por tudo: encontrar filho desaparecido, passar em concurso”, afirma a historiadora.
Não se sabe quando e onde nasceu Maria Caboré. Sobre a morte há pelo menos três versões: perdeu-se na floresta, morreu de peste bubônica ou desmaiou fatalmente numa fila para tomar vacina.
É consenso que viveu no Crato e era andarilha. Além disso, teria sofrido de algum transtorno mental num tempo em que não havia possibilidade de internação psiquiátrica.
No Crato (nasci na cidade), há uma espécie de mau hábito da população (hoje menos comum): reparar no comportamento de quem passa na rua. “Lá vai o doido andando”, costumava-se dizer.
Entre os de que me lembro na infância está Dragão, que sabia fazer doces de pote. Entre os que só ouvi falar, Socorro Doida, que andava mexendo nos lixos sobre as calçadas. Não buscava recicláveis. A aflição dela era ver resíduo bagunçado. Ia lá e os “organizava”.
Mas Maria Caboré, cuja memória é bem anterior a eles, teria sido a única pessoa nessa condição a ganhar fama de santa popular, dessas ainda não reconhecidas pela Igreja Católica.
“Pelo que pesquisei, ela era negra. E muitos fiéis são negros e pobres. Eu percebi que são devotos porque veem nela alguém como eles. É por isso que uso um conceito de devoção marginal”, diz a autora da pesquisa “Santa Loucura: Maria Caboré nas memórias dos cratenses”, toda feita por meio da história oral.
Neste Dia de Finados, entre os mais visitados estará o túmulo dela, com uma cruz de madeira pintada de azul e o nome escrito em tinta branca.
Maria Caboré teve a história apagada. Era mulher, negra, pobre e louca, logo, àquela época, só poderia ser invisível num país comandado até hoje por homens, brancos, ricos e racionais.
Mas no coração dela só havia bondade. Quem a conheceu sabia disso. Quem veio depois manteve e cultivou essa fé. Por isso, entre os devotos sedentos por alívio das dores e justiça, apenas a sua loucura santificada é capaz de entender Deus e interceder por eles.
Fonte: Diário do Nordeste
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