Com o julgamento dos embargos de declarações sobre o piso da enfermagem finalizado, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou demandas defendidas pela categoria, impondo tópicos que não estavam na lei original e aprofundando incômodos dos trabalhadores dos setores público e privado. Na segunda (18), por 6 votos a 4, a Corte manteve a referência das 44 horas semanais e mudou entendimento sobre o acordo nos hospitais particulares.
Uma vez esgotadas as possibilidades de melhorias no piso pela via judicial, parlamentares reiniciam o rito legislativo para emplacar as demandas da categoria. Célio Studart (PSD-CE), por exemplo, apresentou um projeto de lei com esse objetivo na última quarta-feira (20).
O deputado federal, membro da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Serviços de Saúde, propõe que o texto que regulamenta o exercício da enfermagem no Brasil (Lei nº 7.498/86) inclua dispositivo que garante que a jornada de trabalho não ultrapasse as 30 horas semanais, além de vedar a regionalização dos salários.
Também busca evitar redução dos vencimentos por meio de acordo ou convenção coletiva e incluir outras verbas remuneratórias na legislação, sejam elas eventuais ou permanentes, para fins de cálculo.
“O STF impôs uma dura e injusta derrota à enfermagem brasileira no julgamento dos embargos. Com a decisão, os ministros distorceram por completo a lei do piso salarial que aprovamos com muita luta no Congresso”, avalia o deputado.
A lei federal sancionada em agosto do ano passado previa um pagamento de R$ 4.750 para enfermeiros, R$3.325 para técnicos de enfermagem e R$2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras. Mas o Supremo adicionou novas camadas à legislação sobre o piso.
Exemplo disso é a vinculação da política ao cumprimento de uma jornada de 44 horas semanais de trabalho, inexistente no serviço público. Assim, os profissionais que trabalham entre 30 e 40 horas por semana, devem receber pagamentos em valor proporcional.
Outro ponto polêmico é a definição de regionalização do piso para trabalhadores celetistas, criada unicamente no STF. Assim, o tribunal permitiu que sejam pagos valores diferentes nas várias regiões brasileiras, considerando as distintas realidades do País.
Ainda para profissionais do setor privado, o Supremo criou uma nova regra criticada pela categoria: a elasticidade dos acordos para estabelecimentos de saúde. Na decisão de julho, os ministros fixaram que, para os hospitais particulares, haveria um prazo de 60 dias para acordos coletivos. Passado esse período, o piso deveria ser implementado na forma da lei.
Mas no julgamento dos embargos de declaração, o tribunal afrouxou as regras para empresários, abrindo a possibilidade de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) mediar a decisão por meio de dissídio coletivo.
DIÁLOGO COM A CATEGORIA
O deputado federal Mauro Filho (PDT), membro da Frente Parlamentar do Sistema Único de Saúde (Frente SUS), também entende que não há recursos emergenciais possíveis de acionar no momento, por isso busca caminhos pela via legislativa.
Reverter a regionalização e acabar com a referência às 44 horas são prioridades de um projeto que está construindo e que deve ficar para 2024. Ao Diário do Nordeste, o deputado explicou que pretende se reunir com representantes da categoria para construir um entendimento nesse sentido. Também tem buscado a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) da Câmara para a redação o texto.
Ele afirmou que estuda formas de calibrar uma jornada menor, nos próximos anos, aos recursos remanescentes de 2023.
Do total de R$ 7,3 bilhões da ajuda federal liberada em agosto, R$ 1,2 bilhão ainda não foi utilizado porque, devido ao pagamento da proporcionalidade a jornadas inferiores a 44h semanais, profissionais estão recebendo valores abaixo do previsto na lei federal, que serviu de base para o cálculo da complementação bilionária.
Segundo o parlamentar, esse montante excedente mais a cifra de R$ 10 bilhões prevista para o pagamento do piso em 2024 podem acomodar parte das demandas da categoria rejeitadas pelo Supremo.
Mauro Filho ainda argumenta que o STF extrapolou as suas funções ao prever esses e outros pontos que sequer foram mencionados na lei original. “A lei também não trata da carga horária, é omissa. Mas se é assim, quem tem que legislar é o Congresso, não o Supremo”, avalia.
O deputado ainda citou a iniciativa do seu pai, o ex-senador Mauro Benevides, que em 1981 apresentou a primeira proposta de unificação do salário mínimo no País, para criticar a regionalização para a enfermagem.
“A regionalização, onde tem isso na legislação? Isso não existe. Essa é uma decisão que não cabe na atual legislação brasileira, é único em todo o Brasil”, questiona.
A vereadora de Fortaleza, deputada federal suplente e ex-presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Ceará (Coren-CE) Ana Paula Brandão (PDT) também expôs o planejamento para reverter as perdas definidas pelo Supremo.
“Enquanto Legislativo, o que se pode fazer agora é uma cobrança ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) porque foi a pedido dele que foi desatrelado do projeto original as 30 horas, então o sistema Cofen/Coren está fazendo uma grande força-tarefa de mobilização para que a gente possa avançar com um projeto que trate da jornada de 30 horas”, explica Ana Paula.
“Alguns parlamentares já estão buscando apresentar projetos de lei, mas um projeto sem articulações da base é só mais um projeto. Os parlamentares precisam fazer isso em sintonia com o Cofen e com os conselhos regionais dos seus estados, assim como sindicatos e associações que representam a enfermagem para que, de fato, os projetos possam avançar nas articulações e tenham peso para ser aprovados”, observa.
A vereadora também informou que o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) vai instituir um grupo de trabalho (GT) em janeiro para tratar sobre essas alternativas.
“A gente sabe que mesmo com todos sabe que a gente eh possa fazer pra questão da resolutividade da regionalização e da jornada de trabalho ainda pode haver também ação no STF como essa que ocorreu no piso. O STF de fato desrespeitou o Congresso Nacional, mas não temos outra saída a não ser criação de outra normativa que possa nos ajudar nessa questão mais específica de regionalização e jornada de trabalho que o STF nos empurrou goela abaixo”, completa.
VOTOS SOBRE O PISO
Após suspender o piso em 2022, liberar o pagamento em maio deste ano e julgar a aplicação em julho, o Supremo analisou, na última semana, os embargos de declaração opostos por diversos órgãos e entidades.
Desta vez, o relator Luiz Roberto Barroso apresentou uma tese mais palatável à categoria em seu voto e acatou os embargos de declaração opostos pela Confederação Nacional da Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Saúde (CNSaúde), pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Senado Federal, que atuam neste processo na qualidade de partes da demanda.
Por outro lado, rejeitou os recursos de entidades que foram admitidas ou requereram a sua habilitação como amici curiae, como o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço de Saúde de Fortaleza (SINTSAF) e outras.
Barroso entendeu ser prudente acolher três demandas:
Reduzir a carga horária considerada como parâmetro para pagamento do piso remuneratório integral para 40h semanais, sem prejuízo da prevalência de leis e negociações coletivas específicas;
Estender a parametrização do piso remuneratório conforme a jornada de trabalho aos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais e aos profissionais celetistas em geral;
Esclarecer que o piso remuneratório corresponde à remuneração mínima, de modo que a sua observância deve ser aferida com base na soma do vencimento do cargo com as verbas pagas em caráter permanente.
O relator reconheceu que, no caso dos profissionais de enfermagem, a jornada de trabalho não é a padrão de 8h diárias ou 44h semanais. Barroso citou, em seu voto, pesquisa que aponta uma carga média de 30h semanais de trabalho no serviço público e de 38h semanais no setor privado.
Citou levantamento feito pela CNSaúde em São Paulo, mostrando que os trabalhadores de lá, por vezes, cumpriam uma jornada de 40h semanais. Por isso, fixou essa como a carga horária de vinculação do pagamento dos salários.
Também garantiu a definição do piso como o salário-base mais verbas de caráter permanente. “Esclareço, portanto, que o piso remuneratório corresponde à remuneração mínima e a sua observância deve ser aferida com base na soma do vencimento do cargo com as verbas pagas em caráter permanente”, disse em seu voto.
Em outra frente, o ministro Dias Toffoli inaugurou o voto divergente, optando pela regionalização, pela referência em 44h semanais e pelo pagamento proporcional nas jornadas menores.
ASSIM, O PLACAR FICOU DA SEGUINTE FORMA:
ACOMPANHARAM O RELATOR
Edson Fachin
Carmen Lucia
André Mendonça
ACOMPANHARAM A DIVERGÊNCIA
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Gilmar Mendes
Luiz Fux
Nunes Marques
Fonte: Diário do Nordeste
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