Centro histórico de Aracati pode ser ameaçado pelo calor. Foto: Iphan/UFC/Divulgação |
Ainda que imperceptível ao olho humano, construções históricas estão submetidas ao movimento de dilatação e contração intensificado pelo aumento do calor. No Ceará, por exemplo, a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, em Aracati, tem os seus 250 anos de história ameaçados pelo efeito, como avalia uma pesquisa realizada no Estado.
O estudo “Avaliação da influência das alterações climáticas na degradação dos edifícios históricos”, numa tradução para o português, foi publicado no último setembro pela revista internacional Energy and Buildings. A pesquisa deve avançar por outras cidades, inclusive, fora do Estado.
Porém, os dados iniciais já demonstraram que a elevação da temperatura – em decorrência das mudanças climáticas – vai causar uma degradação generalizada nas construções históricas brasileiras. Essa realidade vai elevar os custos de manutenção e diminuir a frequência com que as edificações precisarão de cuidados.
Mapeamento do calor no Centro Histórico do Aracati. Foto: UFC/Reprodução
O artigo é assinado pelos pesquisadores Allan Magalhães, Esequiel Mesquita, Nagilla Frota, Rafael Fontenele e Vitoria Pinheiro da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A primeira etapa da pesquisa começou no último ano no Centro Histórico de Aracati, no Litoral Leste, com foco para a Igreja do Bonfim. Em 2024, a estrutura tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) completou 250 anos, sendo uma das construções mais antigas do município.
Esequiel Mesquita, professor na UFC Campus de Russas e coordenador do estudo, explica que a diferença de temperatura entre o dia e a noite faz com que a argamassa das paredes se movimentam de modo a descolar e rachar ao mesmo tempo.
“Nós temos variações térmicas no Ceará em torno de 10ºC, mas vamos imaginar que isso aumente, em 2050, para a ordem de 14°C. Esse efeito vai ser mais intenso. Em 2100, serão mais de 16ºC”, detalha.
Os pesquisadores avaliam que as movimentações térmicas nos prédios do centro histórico vão aumentar em 400% entre 2050 e 2100. Com isso, as fissuras serão muito mais recorrentes.
Os pesquisadores também têm parceria com a Universidade e o Instituto Federal de Minas Gerais, a Universidade de São Paulo, as Universidades Federais do Maranhão e de Brasília. O trabalho foi apresentado no Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), ligado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Além disso, a pesquisa feita no Ceará será levada às Universidades de Florença e Pisa, na Itália, e de British, na Inglaterra, para reprodução da metodologia nesses países.
Como é feita a análise?
Os pesquisadores da UFC deram o primeiro passo para entender os motivos da degradação das edificações históricas ainda em 2020, quando começaram a fazer mapeamentos. Em 2022, passaram a avaliar os aspectos relacionados às condições ambientais.
“Começamos a fazer um monitoramento em tempo real com sensores em alguns centros históricos e o Aracati foi o primeiro, avaliando temperatura, umidade, partículas no ar e poluentes químicos”, contextualiza Ezequiel.
Além de Aracati, prédios históricos serão analisados pelo grupo em Viçosa e Sobral, no Ceará, Recife, em Pernambuco, Ouro Preto, em Minas Gerais, e na capital do Rio de Janeiro, em 2025. A ideia é que o grupo crie ferramentas para a gestão do patrimônio cultural edificado do Brasil.
“Tentar entender como a variação maior de temperatura iria contribuir no futuro para a aceleração dessas degradações”, completa.
Foram feitos sobrevoos com sensores termográficos que medem a radiação infravermelha para entender os pontos mais quentes. Com base nos dados, o grupo elaborou um modelo numérico computacional para simular o impacto do aumento do calor a longo prazo.
Para isso, os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que estima a temperatura para os próximos anos.
“Nós podemos simular os efeitos com base nas medidas atuais para calcular as projeções de temperaturas. Os resultados mostram que quanto maior for o tempo mais degradado vai ser o patrimônio”, alerta.
As argamassas históricas são mais sensíveis a essa dilatação porque não temos cimentos e sim a cal que acaba se fragilizando, quando eu subo a temperatura ela dilata e à noite ela vai se contrair
Esequiel Mesquita
Coordenador do estudo
Soluções para preservação
Os resultados iniciais da pesquisa já apontam para a necessidade de adequação das estruturas das cidades brasileiras que ainda privilegiam o asfalto e, por consequência, aumentam o calor.
Por isso, é necessário usar pavimentos termoeficientes e criar ou aumentar as áreas verdes para a diminuição da temperatura local nas chamadas “ilhas de calor”.
“Essa é uma responsabilidade que os gestores precisam ter para a redução das temperaturas das cidades com planejamento urbano adequado, banir o asfalto das cidades e termos mais áreas verdes”, reforça.
História da edificação
Conforme o Iphan, a construção da Igreja do Senhor do Bonfim começou em 1772 e foi concluída em 1774. A edificação sofreu com as cheias do rio Jaguaribe e, em 1817, a capela ficou muito danificada, mas foi recuperada. A igreja passou por muitas mudanças, mas mantém a fachada original. O altar da igreja é talhado em madeira e guarda o barroco – pinturas e esculturas ricas em detalhes – do século XVIII em suas cores branca e dourada.
Fonte: Diário do Nordeste
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