sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Caririense rompe ciclo de violência, muda de cidade e garante na justiça direito de ser transferida de cargo sem perder concurso

Unidade de Crato. Foto: ADPEC

Natural do Cariri cearense, uma servidora pública conseguiu romper um ciclo de violência doméstica que durou 19 anos. Com a assistência jurídica da Defensoria Pública (DPCE), a mulher garantiu na justiça duas decisões que vão permitir a ela recomeçar a vida ao lado dos filhos. E fará isso bem longe do lugar no qual ouviu tantos xingamentos, difamações e ameaças do ex-companheiro, de quem também sofria com perseguições e agressões físicas.


“Eu reconheço hoje que desde o começo tudo indicava que o casamento não ia dar certo. Mas naquela época, eu muito nova, achava que ele ia mudar. Era uma loucura muito grande que eu tinha por ele. Não sei explicar. Eu era dependente, mesmo com ele me chamando de vagabunda, me acusando de traição e me batendo forte, a ponto de eu precisar fazer cirurgia. No ano passado, ele botou minhas coisas pra fora de casa e me agrediu de novo. Isso foi o fim pra mim”, recorda.


Era dezembro, perto do Natal. Ela juntou o que pode e fugiu. Com dois filhos a tiracolo, foi para uma cidade quase 100 quilômetros distante. Buscou ajuda de familiares e deixou uma vida inteira para trás, inclusive o cargo público conquistado em concurso. Dias depois, buscou o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria no Cariri, localizado no Crato. Lá, conseguiu duas vitórias.


A primeira delas: uma medida protetiva contra o ex-marido. A segunda foi de ordem profissional. “Ela estava mantendo o vínculo com a Prefeitura de forma extremamente precária. Dado o contexto de fuga para não sofrer mais violência doméstica, nós pedimos à justiça a manutenção do vínculo dela como servidora e afastamento das atividades pelo prazo de seis meses. A juíza aceitou. Começamos, então, uma articulação junto ao Centro de Referência da Mulher do Crato para dar suporte a ela enquanto a gente iria tentar a cessão dela como servidora do município onde morava para a Prefeitura do Crato”, detalha o supervisor do Nudem Cariri, defensor Rafael Vilar.


Assim, com as duas decisões favoráveis, a mulher está protegida das violências do ex-marido e com o emprego de servidora pública assegurado, tendo, portanto, como manter-se com independência financeira. “Quando ela nos procurou, ainda estava muito ferida emocionalmente por todas as violências que sofreu. E a preocupação dela era não perder o emprego. A juíza determinou que a cessão dela fosse formalizada e as prefeituras fizeram uma parceria para isso acontecer. Permitir que ela perdesse o emprego porque precisou fugir em função da violência doméstica seria submetê-la a uma violência institucional. Agora, ela está tendo o direito de se reconstruir”, avalia a defensora pública Luciane Sousa, que atuou no caso no Juizado da Mulher do Crato.


Além da medida protetiva e da manutenção do cargo público, ela solicitou à justiça o divórcio. É só o que falta para de fato iniciar uma vida nova, livre e disposta a relacionamentos saudáveis. Seria uma terceira vitória. “Eu não queria deixar um concurso de 16 anos por causa dessa separação. E eu tinha que ter a segurança de que ele não iria mais se aproximar de mim. Foi por isso que eu procurei a Defensoria. Eu agora vou me erguer. Vou fazer minha vida, porque perdi minha mocidade, minha juventude, minhas amizades, perdi tempo ficando com ele. Vou me organizar pra comprar minha casinha. Minha vida agora depende só de mim. Eu estou mais firme; bem mais forte. Então, acredito que vai dar tudo certo”, projeta.


ATÉ 20 ANOS PARA DENUNCIAR

Estudos psicossociais do Nudem indicam que o perfil predominante da mulher acolhida no núcleo é a de quem pode levar até 20 anos para denunciar a violência sofrida dentro de casa. E, em geral, essa assistida tem entre 30 e 41 anos (52,22% do total) e mora em áreas periféricas de Fortaleza. Exatamente o perfil da servidora pública do Cariri. Em geral, essa mulher é negra e mora em bairros de periferia.

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