Dia de pesar para a cultura popular cearense. Mestra Margarida Guerreira – a eterna Margá do Guerreiro Santa Joana Darc, da região do Cariri – faleceu nesta sexta-feira (7), aos 89 anos.
Ela era alagoana, mas considerava-se cearense de coração. Conforme o neto, Mestre Nando, o velório acontecerá no Sesc Juazeiro do Norte e o sepultamento será sábado (8), no Cemitério Parque das Flores, na mesma cidade.
Nascida em 21 de junho de 1935, Mestra Margarida ficou famosa por valorizar o encanto das tradições e o vigor da cultura popular. Desde menina, já dançava e encantava sob o olhar de Mestre Amaro e Mestra Agada. Levada pelos pais, romeiros do Padre Cícero, ela fez de Juazeiro do Norte o palco da própria arte. Aos 15 anos, já mestrava o próprio grupo.
Nessa parte, foi pioneira: criou o primeiro Guerreiro – folguedo genuinamente alagoano surgido no século XX como resultado de adaptações feitas na junção do reisado, a chegança e os pastoris – formado apenas por mulheres. A tradição, original e única, ecoou pelos terreiros do Cariri, fazendo vibrar tambores e corações.
Em nota, a Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte e a Secretaria da Cultura do município destacam que Margá, a grande Matriarca da Cultura Cariri, deixa um legado imensurável.
"Seu Guerreiro deu vida a todos os Guerreiros de Juazeiro do Norte, seus passos ritmaram o folclore, sua voz cantou a ancestralidade e seu sorriso acolheu gerações de mestres, mestras e brincantes", enfatizam.
Também expressam que a cultura do Cariri veste luto, mas também celebra a vida da mestra, certa de que cada canto, dança e riso do Guerreiro comandado por ela manterão viva a memória.
"Aos familiares, amigos e a toda comunidade cultural, expressamos nossa solidariedade e o compromisso de honrar o legado de Mestra Margarida, cuja luz continuará a iluminar os caminhos da cultura popular de nossa terra".
Expoente da cultura popular
A Rede Permanente de Apoio aos Mestres e Mestras da Cultura de Juazeiro do Norte também manifestou pesar. Segundo eles, "a cultura caririense perde um de seus maiores expoentes. Nos entristece a perda inestimável da Guardiã dos Saberes do Guerreiro Joana Darc, Tesouro Vivo, Patrimônio Imaterial do Estado do Ceará".
Mestre Nando, neto da Guerreira, diz que a avó recebeu o título de Cidadã Juazeirense no início deste ano e que a importância do trabalho dela está ligada à formação de novos brincantes da cultura popular. "Sua casa sempre foi cheia de gente, tanto quando era mais jovem quanto agora, mais idosa", situa.
"A relevância dela é grandiosa não só na cidade de Juazeiro, mas em todo o Estado do Ceará. Todo mundo, onde você for, em qualquer cidade, vai saber da Mestra Margarida, da importância do trabalho dela, da voz belíssima que ela tinha". Mestre Tarcísio reforça a ideia. De acordo com ele, Margá era "muito querida, conhecida, encantadora e dedicada à cultura popular tanto de Juazeiro quanto do Cariri, do Ceará e de Alagoas".
"Mestra Margarida recebeu o título de Tesouro Vivo em 2004. Acolheu e ensinou muitos mestres e brincantes - inclusive, sou um deles. Não sou Guerreiro, sou Reisado, mas aprendi muitas coisas com ela. Agora foi fazer companhia aos mestres que já passaram pela casa, pelo Guerreiro, pela pessoa dela", destaca Mestre Tarcísio.
A força da voz
O amigo e pupilo também lança luz sobre um dos atributos mais reconhecíveis e marcantes da Mestra: a voz. "Nunca ninguém vai ter uma voz como a da Mestra Margarida. Mestre nenhum do Brasil vai ter a garganta dela. Numa hora dessa, ela já tá brincando no céu, junto com Deus e os mestres que já faleceram. Tenho ela como minha mãe, avó e mestra, uma pessoa que partiu para o céu, mas ficou com a gente na terra".
Uma das perfiladas no Livro dos Mestres, publicação de 2017 organizada por Dora Freitas e Silvia Furtado, a própria Mestra diz: "No meu tempo, o reisado era uma coisa só de homem. E o guerreiro é de mulher. No Guerreiro, as peças, as músicas... é diferente. E a gente tem o direito de ser Guerreira".
Ao mesmo tempo, poetiza: "Ser mestre é quem sabe, é quem o povo gosta. Ser mestre é o pessoal gostar e achar bonita as peças. E hoje o povo é quem diz: a Mestra Margarida! Botaram esse nome e eu aceitei como Mestra. E ainda depois recebi o diploma de mestra no Crato. Eu gostei".
Fonte: Diário do Nordeste
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